terça-feira, 3 de novembro de 2015

Trincheiras humanas


Integração, palavra-chave num mundo de migrações, imigrações e refugiados como o nosso, é sinônimo de conflitos e finais nem sempre felizes. Essa questão faz do romance Malditas Fronteiras de João Batista Melo publicado pela Benvirá uma obra de extrema atualidade, mesmo sendo predominantemente ambientado no período da Segunda Guerra Mundial.

                Instalar-se, deslocar-se num país diferente do seu, sem saber se o futuro será, de fato, melhor que o passado é uma situação dramática. A fala do capitão do navio de imigrantes é também uma metáfora: “Eu não gosto nem um pouco quando sou obrigado a vagar para cá e para lá, igual àquela vez no bosque com meu pai, sem saber onde vou poder enfim atracar. Isso não é humano, senhora”. A integração é algo vistoso no discurso, mas na realidade está posta num abismo, cercada por um muro, na maioria das vezes invisível: “Um duelo sem final que travavam há muito tempo, uma peça a mais no muro que construíam entre si, afastando-se para mundos intransponíveis nos quais algum dia talvez não pudessem mais se reconhecer mutuamente”.

                A rejeição sofrida, mostra o autor, não é somente um drama para o refugiado, mas a prova de que o ser humano que rejeita outro gratuitamente é um adoentado num mundo débil: “Talvez tenhamos. Talvez todos os homens tenham a peste”.

Ao tratar de imigrantes alemães no Brasil, seja em Belo Horizonte, cidade natal do autor, ou em outros lugares do país, João Batista desfila referências a grandes nomes da literatura e da cultura de língua alemã: Goethe, os Irmãos Grimm, Wagner, Mann, Freud, Remarque, Musil, Heine, Brecht, Fritz Lang e por aí afora. Sem esquecer, evidentemente, da cerveja e dos mestres cervejeiros, responsáveis por esse elixir dourado que faz o mundo todo reverenciar a Alemanha.

Não são as únicas, mas Belo Horizonte e Berlim, são cidades especiais para o romance. A primeira, com suas contradições, aparece também retratada por personagens históricos: “João Paulo II ergueu os braços para abençoar a cidade com a frase “que belo horizonte”, quase ao mesmo tempo em que o poeta Drummond a chamava de “triste horizonte”.  Já a capital alemã: “Berlim era o labirinto. Mas o Minotauro não esperava no meio das ruas repletas de carros ou entre os prédios novos que se intercalavam às edificações históricas. [...] Berlim era o labirinto. E não adiantariam marcas no caminho, novelos de  lã ou restos de pão como nos mitos e contos de fadas”.

João Bastsita não se aventura em experimentalismos e tem linguagem apurada para falar de tragédias, como a queima de livros: “Ideias carbonizadas. Sentimentos em cinzas”. Procura não cair nas armadilhas da indústria cultural que jamais esgota a monótona repetição do mesmo. Prudente, faz parte do prestigioso elenco das letras de um dos estados mais fecundos do país: “E os nativos de Minas Gerais são muito cautelosos”.
 
por Flavio Quintale













 
 
 
 
 
 
 
 




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