quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Diálogos machadianos na era da internet

“O canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira”. A partir dessa citação de Machado de Assis, Godofredo de Oliveira Neto intitulou seu livro Ilusão e Mentira: as histórias de Adamastor e Lalinha publicado pela editora Batel. Duas histórias compõe o volume.
    A primeira, O galo Adamastor, é inspirada em uma passagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que se descreve uma briga de galos. Com esse galo inglês, Godofredo atualiza a história: “Juntemo-nos à roda e ouçamo-lo. Se quiserem gravar no iPad ou no celular, fiquem à vontade, podem tirar fotos com flash, sem flash, com zoom, sem zoom, como quiserem, aqui é o território da arte, território livre da arte, onde se misturam norma culta da língua portuguesa com registro popular, música clássica com ritmos contemporâneos, balé clássico com capoeira, ópera com cantos do nosso folclore”. O mundo moderno é civilizado. “Briga de galo é coisa do passado, esporte típico da perversidade humana, acabou faz tempo, mano, ainda bem. Os galos de briga são agora valorizados pela sua estampa, o que vale é estética”. Até os galos sucumbem à sociedade das ilusões, das mentiras. Aquela mesma que proibi as rinhas de Galo, mas investe milhões em lutas livres na TV. O povo vai ao delírio. Muita gente enche os cofres. “A violência incentivada e premiada migrou para os jogos eletrônicos dessas lojas do shopping e para lutas sangrentas de humanos com humanos em ringues primorosos, lutas assistidas por milhões de telespectadores pelo mundo afora.”
    Procura-se contemplar a literatura brasileira de ontem e de hoje: “tens que estudar mais, ler Alencar, Machado, Lima Barreto, Cruz e Souza, Graciliano, Rosa, Clarice. E também os contemporâneos. Tem coisas ótimas sendo escritas. Senão tu não entendes nada do que está acontecendo no mundo de hoje, bródi, nadinha. Procuro apoio nas redes sociais da internet e coisas do gênero, talvez sejam o fármaco de que precisas”. Deflagra-se um narrador contemporâneo: “Não pude deixar de tirar uma foto da paisagem com meu tablet de última geração, foto logo enviada para as redes sociais. Em poucos minutos dezenas de amigos curtiam o cenário e compartilhavam aquela beleza. [...] Bati uma foto das casas açorianas. E fiz um caprichado selfie, o mar acolhedor às minhas costas”. 
   A segunda história, Val e Lalinha, traz uma citação de Dom Casmurro. Vê-se uma fotografia do Rio de Janeiro contemporâneo. O crime passional e o ambiente do crime e do tráfico emolduram a história. “O amor vem ou porque o cara é lindo pra caramba, parecido com um ator de novela, ou porquê lembra o pai, ou porque tem grana, ou porque faz pensar no primeiro namoradinho, ou porque tem poder, ou porque é político e dá emprego pra família da gente e por aí afora. Sempre tem uma razão. Não vem assim do nada não, assim do nada só nos romances que a professora lia para a gente na Escola José de Alencar. Sem essa de ficar como uma flor no meio do mato esperando algum gato colher a gente. Pode esperar sentada que isso não existe”.
   Respira-se Machado de Assis ao longo do livro. Ilusão e Mentira é um tributo do autor a seu mestre. O livro certamente despertará o interesse dos leitores machadianos.  
por Flavio Quintale

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